Abílio Mendes: "Convidaram-me duas vezes para ser presidente de junta pelo PS"

 

Abílio Mendes foi protagonista de uma eleição histórica, em 2021, quando aconteceu um empate entre CDU e PS, ambos com 195 votos depois de contabilizado para o PS um voto inicialmente considerado nulo. Na segunda volta, a CDU venceu com 236 votos contra 212 do PS (força política que estava no poder).

Quatro anos depois, numa renovada (no exterior e interior) sede da junta de freguesia de Comenda, temos pela o presidente que agora se despede depois de um logo percurso nas listas da CDU, primeiro como membro das assembleias municipal e freguesia, depois como presidente de junta.

Nascido no dia 26 de julho de 1958, na Comenda, filho de José Mendes e Ana Maria Matos Flores, Abílio Mendes teve um bisavô a quem chamavam "o Espanhol". O pai trabalhou sempre no campo e foi guarda-florestal no Perlim.

Viu nascer a barragem do Alqueva e trabalhou em muitas barragens do norte do país

Com apenas 14 anos, Abílio rumou a Lisboa. Apanhou o comboio em Belver e o tio, que trabalhava para a EFACEC, esperou-o em Santa Apolónia. Foi viver com os tios para a Brandoa e começou a trabalhar para a grande empresa de indústria eletro-mecânica com sede em Leça do Balio (Matosinhos) e nessa época em plena expansão, com obras espalhadas por todo o país. Começou como aprendiz e foi sempre subindo de categoria.

Na Efacec, Abílio Mendes trabalhou 49 anos! E percorreu o país - esteve nas obras do Alqueva (dois anos), da central do Pego (4 anos e 8 meses), nas barragens do Pocinho, Miranda, Crestuma/Lever, Venda Nova...

Apesar de calcorrear grande parte do país em trabalho, Abílio depois de casar fixou residência na Comenda e aqui manteve a sua base. A esposa trabalhava na IFAL. Todas as semanas vinha a casa e de casa partia ao domingo de motorizada até à estação de Belver, onde a deixava o veículo à guarda, em troca de alguns tostões, de quem ali estava. Por duas vezes adormeceu no comboio e foi parar à estação da Amieira do Tejo/Envendos, tendo de chamar um táxi para vir para casa. "Cheguei a apanhar o comboio no Vale do Peso, o TER e o Lusitânia", recorda ele uma linha (ramal de Cáceres) hoje encerrada.


A política entrou-lhe cedo nas veias, logo a seguir ao 25 de abril. Dos tempos anteriores não lhe vinha qualquer consciência da situação de um país sob ditadura mas abraçou a causa da revolução, ingressando na União da Juventude Comunista.

Mas vamos à conversa.

Quando assumiu a presidência da junta de freguesia de Comenda já estava reformado?

Sim, assumi em outubro de 2021 e em maio já me tinha reformado.

A sua ligação à política não começou, porém, aí...

Fiz parte da União da Juventude Comunista, logo a seguir ao 25 de abril. Quando se deu a revolução estava no Cacém a trabalhar em elevadores e apareceu lá um engenheiro a mandar-nos para casa por causa da revolução.

Como desperta para a política?

Os grandes culpados foram dois professores que tive: um padre que era comunista e uma professora de português que era africana. Passávamos a maior parte das aulas a discutir política. Tive também um colega cujos país foram corridos por não pagarem a congra ao padre e isso marcou-me. Andava então a estudar de noite, na escola industrial do Cacém. Aquilo doeu-me um bocado. A congra era um valor que todos os anos tinha de ser pago ao padre. Aqui na Comenda também se pagou...


Liga-se nessa altura ao Partido Comunista?

Sim, desde essa altura.

Na Comenda houve a tomada das herdades pelas cooperativas. Lembra-se desses momentos?

Não estava cá mas lembro-me de ir a uma manifestação a Portalegre por causa das vacas de Cujancas. Aí é que vi porrada! Andava lá um indivíduo com uma moca... Mas estava a trabalhar pelo país fora e nesse tempo não havia telemóveis...

"Fui duas vezes convidado para ser cabeça de lista do PS na Comenda"

Quando começou a sua participação política aqui na Comenda?

Estive sempre em listas. Estive na Assembleia Municipal e nas assembleias de freguesia. Até concorri duas vezes a presidente da junta.


Contra quem?

Um devia ser o Manuel de Jesus Duarte.

Conheceu então bem o Manuel "Lérias"?

Se conheci! Ele e o Galinha Barreto convidaram-me para fazer parte das listas do PS. Por duas vezes. Ofereciam-me um emprego na Câmara para ir como cabeça de lista pelo PS. Duas vezes, ali no café O Choupinho.

Por que não aceitou?

Disse logo que não me dava com o Mário Soares, que foi o maior traidor do povo português. Para além disso, as minhas convicções são diferentes.

Portanto, aqui na Comenda sempre teve voz política e ganhou uma eleição como candidato a presidente da junta...

Sim, com muito trabalho pois as coisas não aparecem feitas e tem-se de trabalhar o dobro dos outros.

A CDU ter uma junta no concelho mais socialista do país é um fenómeno. Na sua opinião, qual a razão que leva muitas pessoas a nas legislativas votarem PS e CDU nas autárquicas?

Porque estão revoltadas porque a Câmara nunca demonstrou grande interesse em fazer alguma coisa aqui. Outra razão prende-se com o facto de a CDU sempre ter apresentado listas de pessoas sérias e trabalhadoras. O PS tem aqui a faca e o queijo na mão e se lidasse com esta freguesia como lida com as outras, nunca aqui perderia uma eleição.

A vitória que teve em 2021 foi difícil...
Aqui também já perdemos uma eleição por um voto. E em 2021 também teria o PS perdido mas quem decidiu aquele voto com um risco fora do quadrado foi quem foi... E isto quando o manual não aceita boletins com riscos fora do quadrado.

Custa ouvir críticas quando fazemos o que mais ninguém faz

Quatro anos de mandato. É sempre muito difícil o reconhecimento de um trabalho mas gostou de estar nesta posição?

Gostar, gostei. Mas o povo... Vou-lhe dar só um exemplo. No último passeio dos idosos, pagamos tudo, o que mais ninguém faz. Mesmo assim, na viagem havia pessoas a dizer mal e eu ouvi. Quando se faz o melhor que se pode e não se faz mais porque os orçamentos das juntas não esticam, custa ouvir estas coisas. Agora andavam a dizer que tínhamos 60 e tal mil euros mas esta obra que aqui vê não ficou barata, compramos uma máquina, pintámos o edifício por fora e por dentro...

Encontrou a junta com um bom fundo de maneio?

Sim e vai ficar agora mais ou menos igual. Não vai acontecer como quando o Rui veio para cá e não havia dinheiro para pagar os vencimentos. Se não tivessem vendido quatro sepulturas, não teria havido dinheiro.

O seu relacionamento com a Câmara foi fácil ou difícil? Deram-lhe sempre o que pediu?

Eles nunca dizem que não mas na prática as coisas não se concretizam. E é melhor ficar por aqui.


Mas a Câmara não dá à junta um apoio financeiro anual?

É um apoio irrisório. É bom que se diga que não temos recursos financeiros para grandes obras e que nos faltam meios humanos.

Independentemente disto tudo, a sua relação com José Pio foi sempre boa?

Foi e com o Tó a mesma coisa. O problema é que as questões não se resolvem. Em quatro anos, fizeram o passeio aqui à entrada da Comenda e o parque infantil do Vale da Feiteira.

Quanto à Ribeira da Venda, que está sob gestão da Câmara, acha que foi feito o que devia ser feito?

Nunca fui visto nem achado. A junta não tem orçamento para tomar conta daquilo mas podia ser o dono do parque de merendas e fazer um contrato com a Câmara. Não temos nem meios financeiros nem humanos para gerir o local. Claro que o parque de merenda podia estar muito melhor. Digo-lhe mais, a Câmara comprou o terreno do Alto das Bicas e a junta disse que o comprava por cinco mil euros. A Câmara é que não quis e aproveitaram para fazer a escritura da parte debaixo e de cima...


"Não irei participar na campanha eleitoral"

Mas os terrenos foram uma doação de Jorge Bastos à junta de freguesia.

É verdade, mas...

Esperava continuar como presidente da junta?

Até ao meio, ainda pensei nisso. Mas tenho de descansar. Venham os mais novos.

Mas vai nas listas da CDU?

Não. Nem irei participar em campanhas eleitorais.

Mas não vai abandonar a política?

Vou continuar a ser militante do PCP como até agora.

Como olha para as próximas eleições? Vai ser disputado?

Se não fosse a máquina que o PS tem por trás, dizia-lhe já que iria ser uma goleada de 10-0. Mas como o PS tem uma grande máquina vai ser renhido. Porque se olharmos para uma pessoa e para a outra, não tem nada a ver.


Sai da junta com sentimento de dever cumprido?

De dever cumprido, saio. Podia ter feito mais? Podia.

Acha que a Câmara, com três milhões de euros em caixa por causa dos painéis, podia ter ajudado mais?

Falei várias vezes com o presidente e na assembleia principal. Nem precisava de ser todo o dinheiro para as freguesias, bastava ser um quarto, já seria muito importante.

Como vê o futuro desta comunidade?

Muitas pessoas estão aí a comprar casa mas já são mais idosos, apesar de termos recebido recentemente dois casais novos. Temos de ser otimistas mas isto tem tudo muito a ver com um poder central que só vê o litoral e os grandes centros. Enquanto não houver aqui indústria, será difícil o desenvolvimento. O trabalho no campo não resolve.

A Comenda é atrativa?

É, mas já perdemos muitas coisas.

Se tivesse o poder absoluto para fazer algo na Comenda, o que fazia logo?

Uma fábrica para criar postos de trabalho e fixar a juventude. Sei dar valor a isso quando tive uma vida dura, a sair daqui todos os fins de semana para trabalhar.