Há municípios a comer frango e outros com lagosta na mesa

 

O Anuário Financeira dos Municípios Portugueses, agora publicado e com números relativos ao ano de 2023, confirma uma realidade a três dimensões nas autarquias do país, divididas em autarquias de grande, média e pequena dimensão.

Obviamente, Gavião, com os seus 3.400 habitantes que tornariam quase devoluto um bairro de Lisboa, pertence ao grupo dos pequenos municípios. Ainda assim, como já vimos aqui, a conseguir brilhar nos indicadores positivos, nomeadamente no que toca ao seu equilíbrio orçamental.

Mas nada de euforias.

A realidade é crua. Gavião é um concelho que capta pouca receita e só uma gestão ponderada e proveitos extraordinários (como os três milhões e picos do fundo ambiental relativo a duas centrais fotovoltaicas) permite uma situação estável das finanças da Câmara Municipal de Gavião e alguma capacidade de investimento, sobretudo alavancada por verbas do Portugal 2030 e do PRR.

Sobretudo para aqueles que pensam que a Câmara de Gavião tem uma máquina de fazer dinheiro, eis o que é concreto e mensurável: Gavião é o sétimo município português com menor independência financeira, isto é, com menor capacidade para captar receita de impostos e transferências do Estado central. Apenas 11,3% de independência financeira garantida quando em 2013 essa percentagem era de 21%. O que quer dizer que a independência financeira de Gavião tem vindo a decrescer, algo que deve preocupar quem de direito.

O Alto Alentejo, a viver o seu inverno demográfico, está, aliás, em destaque, pela negativa, neste ranking, com 7 concelhos em 15 neste ranking dos pobrezinhos a captar receita. O que só por si deveria ser um sinal de alerta para um governo realmente interessado em reverter a situação que se vive aqui e não apenas a usar o apoio ao interior como arma de arremesso em período eleitoral.

Estes são os municipios do frango assado, com pouca gente, poucos recursos e sempre de chapéu na mão enquanto os grandes municípios urbanos comem lagosta e até a podem fazer acompanhar por champanhe francês.


Vamos falar da receita de IMI que entra nos cofres das Câmaras. Aqui, Gavião é o 22.º concelho do país com menor receita encaixada em 2023, com quase 311 mil euros, ainda assim a melhor receita desde 2013 (mas subindo muito pouco). Por comparação, Lisboa encaixou em 2023 um total de 129 milhões só em IMI, Cascais 49 milhões e o Porto 42 milhões. No caso concreto de Lisboa, 13 vezes mais de receita de IMI que o orçamento anual do município de Gavião, sexto pior município do Alto Alentejo neste ranking, à frente de Crato, Marvão, Avis, Fronteira e Arronches.



Situação não muito diferente no IUC cobrado em função do parque automóvel. Aqui, Gavião é 23.º no ranking dos concelhos com menor receita, com um total em 2023 de 83 mil euros, melhor marca desde 2013 (neste ano apenas cobrou 57 mil euros). Gavião é o oitavo dos concelhos do Alto Alentejo que menos recebe da parte do IUC. Voltando à lagosta, mais um pouco de maionese: Lisboa cobrou 18 milhões de IUC em 2023, Sintra 13 milhões e Oeiras 11 milhões. Coisa pouca.

Por tudo isto, os munícipes de Gavião devem ter em conta esta realidade quando transportam para a vida real a vida sonhada. Sem dinheiro não se fazem milagres, sobretudo quando o Estado central continua a desprezar investimento digno desse nome nos territórios que hoje designamos como de baixa densidade e sobretudo no distrito de Portalegre, o distrito português mais deprimido, já com menos de 100 mil habitantes, ou seja, um terço da população do concelho de Vila Nova de Gaia.