A Festa

 


Um belíssimo texto de Armando Fitas Castanho que aqui reproduzimos com um aplauso:

Sente-se um certo frenesim no ar e a azáfama para receber os "corticeiros" que regressam de mais uma temporada de tiragem da cortiça no Baixo Alentejo.

Por fim, ao meio da tarde as  3 "camionetas" fretadas param junto á Praça mais precisamente no largo mesmo em frente do talho da Lucinda do Agostinho Jorge.

Estamos nos anos 60, o reboliço é grande e tal movimentação é coisa rara nesta aldeia perdida no Alto Alentejo.

Os miúdos deslumbram com tantos passageiros e o enorme carregamento de bagagem acamado no tejadilho dos autocarros.

Os familiares alegres com o reencontro dos familiares que já não viam há algum tempo.

Os comerciantes contentes com a chegada de dinheiro fresco para o pagamento dos calotes que se foram acumulando com a liquidação já combinada para esta data.

Era este o prelúdio para a Festa da Sra das Necessidades que começaria uns dias mais tarde.

Na véspera já os mais jovens acorriam ás barracas de comes e bebes no Vale do Grou para se adiantarem ao início das festividades que se iniciariam no dia seguinte (que são por tradição o fim de semana com o primeiro Domingo de Setembro).


O sábado começa com uma grande alvorada de foguetes e termina com um estrondoso rebentamento, é hora de acordar e vestir a indumentária festiva para ir à feira.

O caminho poeirento era um corropio de gente nos 2 sentidos.

Já na última descida (e antes de chegar á fonte para retirar o pó da garganta) avistávamos à nossa esquerda uma grande feira de gado e um amontoado de carroças de melancias que davam fama e eram o ex-líbris da nossa festa.

As primeiras barracas eram as de "burrenhol" e torrão que ficavam á esquerda. Á direita e sobre o muro do cemitério eram penduradas placas pretas onde reluziam o ouro e prata. Era aqui que os padrinhos compravam as medalhinhas e bolotas para oferecer aos afilhados bebés, os mais jovens o fio com o crucifixo, as mulheres os colares e os homens a corrente para o relógio de bolso. No mesmo local os pais cumpriam a promessa e ofereciam o primeiro relógio aos filhos, prémio pelo bom aproveitamento escolar.

A rua principal era longa e havia de tudo : os pequenos deslumbravam os olhos com os carros feitos de lata e as marionetes trapezistas (2 paus unidos por um fio que quando pressionados faziam rodopiar um boneco), as bonecas de plástico para as meninas, as mulheres embelezavam-se com novas camisolas e camisas e a casa com mais um cobertor para o Inverno que se aproximava. Era também aqui que se comprava o calçado para os dias festivos. Era o centro comercial dos dias de hoje.

Antes do regresso passava-se pela ermida para venerar a santa e cumprir a promessa (dinheiro, objetos de ouro e até tranças de cabelo) em agradecimento dos favores recebidos (regresso da guerra colonial sem problemas e cura de enfermidades entre outras).

Estava na hora de regressar pois á tarde havia a "tourada á vara larga" na praça de madeira previamente montada no estacal. A noite era passada no Largo da Arvorinha, baile abrilhantado por conjunto musical e inicio oficial de muitos namoricos.

No Domingo voltava-se de novo á feira que tinha muito mais gente com a visita de inúmeros amigos das terras vizinhas. A seguir á missa efectuava-se a procissão que era o adeus a santa e um até para o ano,  que acompanhada de banda de música e pela GNR (a pé e a cavalo) percorria as ruas da feira. Nela se misturavam peregrinos que a acompanhavam (alguns deles descalços), "anjinhos" e se pagavam com inúmeras paragens as últimas promessas.

Não se regressava sem uma visita no cemitério ás campas dos entes próximos já falecidos.

É hora de regressar pois mais logo há a corrida de burros na Rua Grande e a noite é abrilhantada com um magnífico fogo de artifício.

Muitos comendenses já regressaram ao seu trabalho em Lisboa e a segunda feira encerra as festas com grande desafio de futebol solteiros-casados e o último baile da noite.