Voltando às sepulturas escavadas na rocha e ao que mudou desde 1983

 


A mão amiga do Duarte Nuno, cujo contributo tem sido inestimável para estas incursões históricas, fez-nos chegar o esboço da carta arqueológica da freguesia da Comenda elaborado, em 1983, pelo arqueólogo Rogério Carvalho. É um documento interessante não apenas do ponto de vista científico mas também porque nos dá uma perspetiva de que como tudo pode mudar em poucos anos mesmo sem qualquer esforço institucional nesse sentido.

A sepultura que vêem aqui em cima, por exemplo, perto do antigo lagar de João Herculano, num ponto alto do qual se avista a parte sul da Comenda, não foi identificada por Rogério Carvalho.

O mesmo aconteceu com a sepultura que vêem à esquerda da imagem, no afloramento onde se abrem dois moimentos lado a lado, a cerca de cem metros do local da sepultura isolada com que abrimos esta publicação.

Rogério Carvalho, in "Contribuição para a Carta Arqueológica da Freguesia de Comenda - Gavião", refere-se às duas sepulturas paralelas como 'do Lagar' mas a estas sepulturas foi acrescentada mais uma que na altura estava soterrada. 

Aconteceu graças ao entusiasmo de um grupo de jovens da Comenda que se dedicaram à prospeção arqueológica e que deram origem à formação da Associação de Defesa Arqueológica e Ambiental de Comenda, uma associação que, com base nos apontamentos de Luís Vieira (um dos seus elementos), em 1998 surgiu a pedir a cedência das instalações da antiga junta de freguesia. Para ali estava pensada a instalação de um pequeno museu, possivelmente com alguns dos materiais recolhidos no campo.

Esse grupo, de que fazia parte também João Rosa Castanho, entre outros, deu conta também dos seus achados no que diz respeito a sepulturas rupestres. Embora os apontamentos de Vieira não sejam claros, deduzimos que o grupo descobriu e abriu a sepultura isolada e a que se encontra junto do par de sepulturas. Castanho refere que nesse processo foi encontrada alguma pedra e cerâmica de cor diferente, que não especifica.

Castanho data de 9 de abril de 1994 a descoberta da sepultura que pensamos ser a que está isolada e que é referida como localizada no lugar do Azinhal. Das sete sepulturas escavadas na rocha já identificadas na Comenda, esta será a única que tem, de facto, traços de antropomorfismo, como se depreende da sua cabeceira, as restantes são apenas de formato trapezoidal.


Esta outra sepultura, perto da isolada e junto do par de túmulos referenciados já por Rogério Carvalho, terá sido revelada no dia 29 de maio também de 1994. Vieira refere que estava destruída e que não se encontrava escavada na rocha mas dá para perceber, batendo tudo certo, que está e que o seu grau de destruição é mínimo. Vieira refere que não foi aberta totalmente e que e no espaço intervencionado foram encontradas duas lajes retangulares aparentemente anepígrafas,

Estas sepulturas, note-se, integram todo um programa da chamada morte anónima pois não surgem com lápides e só excecionalmente conservam as suas tampas (por norma reaproveitadas para fins utilitários, presumindo-se que fossem lajes grandes que cobrissem toda a área do moimento). Esta modo de sepultamento ocorreu entre os séculos VI e X (permanecendo mais alguns anos mas já num modelo de sepultamentos aproveitando afloramentos à volta de templos) e ainda hoje são muitas as incógnitas sobre o que as motivou a construção das primeiras sepulturas rupestres e sobre a forma como se desenvolveram, na certeza que estão disseminadas por todo o território português, sobretudo em territórios com boas manchas graníticas.

Necrópole de Moreira de Rei

O que estão a ver na imagem acima são as mais de 650 sepulturas escavadas na rocha à volta da Igreja de Santa Martinha, em Moreira de Rei, concelho de Tarncoso - são sepulturas antropomórficas que fazem parte já de outro programa de sepultamento, precisamente à volta de igrejas ou no seu interiosr, um programa que se estendeu para além da Idade Média.

As sepulturas da Comenda são mais antigas que estas e reportam-se a uma outra fase desta moda de enterramentos em túmulos escavados na rocha. Sepulturas de prestígio, segundo alguns investigadores, ou então de enterramentos múltiplos, possivelmente associados a pequenos locais de povoamento disperso e por norma junto de caminhos.


A dissertação já vai longa e vamos apenas voltar ao trabalho de Rogério Carvalho, arqueólogo que registou a sepultura da Ribeira da Cabeça, junto ao parque de Merendas da Ribeira da Venda (imagem cima), e que identificou também duas sepulturas paralelas no Monte do Braçal seguindo um programa tipológico semelhante ao das restantes sepulturas escavadas na rocha da freguesia de Comenda, ou seja, de formato trapezoidal, tal como as duas que identificou no sítio do Lagar. Estas duas sepulturas do Braçal aparentemente encontram-se hoje soterradas mas prometemos em breve uma incursão ao local.

Se tiverem paciência e interesse, aqui vos deixo o link para o meu trabalho de mestrado em Arqueologia, precisamente sobre sepulturas escavadas na rocha mas do concelho de Marco de Canaveses, cerca de duas dezenas.

Com sete sepulturas escavadas na rocha, a Comenda tem aqui matéria para enriquecer a sua História.