A Ti Xica da Graça e a Rua dr. Freitas Martins


A minha rua do Alentejo é um mundo de saudade.

A minha rua do Alentejo, que hoje se chama e bem Dr. Freitas Martins, era uma espécie de rota da seda: por ela iam e vinham as mulheres para a fonte com os potes à cabeça…

Subiam a minha rua, noutros tempos, os porcos do Senhor Gueifão que vinham do Mato Brito, fartos de lande e de calor…

Era a minha rua que subia o Laranjinha de Gáfete e a mãe com o burro à rédea a caminho da Ribeira de Margem e o João de Alpalhão à procura de esmola…

Tantas coisas se passavam na rua da minha infância.

Por ela subia de manhã e descia ao fim do dia, a camioneta dos Belos a caminho de Portalegre, umas vezes carregada de estudantes outras apenas com “o que a guia e o que a cobra” que o mesmo era dizer com o condutor e o cobrador, porque passageiros, poucos ou nenhuns. Vinha de Belver a camioneta que fazia ligação ao comboio da Beira Baixa.

Mas era também à minha rua que chegavam os louceiros de Flor da Rosa e de Nisa com a carroças carregadas de louça e barros empalhados para descarregar na casa da Ti Xica da Graça, mulher de negócio e afeto para com os vizinhos. Vendia louça alentejana e queijos de qualidade.

Uma senhora que recordo vestida de negro e com modos afáveis para com os vizinhos.



Foi dela a casa que se encontra em ruínas. Ninguém lhe deita mão. Contudo, esta casa é o exemplo de que são as pessoas que marcam os sítios e os espaços.

Mesmo em ruína, esta é, para mim, a casa da Ti Xica da Graça, comerciante de louças e de queijos e uma boa senhora.

Manuel Porfírio

Jorge Graça comentou:

A minha avó a Ti Xica da Graça. A partir dos meus 8 anos fui o companheiro da minha avó, o meu avô ficou doente e incapacitado, eu tomei esse lugar nas jornadas de ir às queijarias da região. Queijos frescos que depois a minha tratava e trabalhava e fazia a secagem. Íamos também à loiça a Nisa. Daí vinha muita loiça, muita dela pedrada ou empedrada como se diz agora. Íamos e vínhamos de carroça com a mula que nos puxava com a carga. A minha avó era analfabeta, nunca foi à escola, mas recebia o jornal do Comércio que eu lhe lia e ouvia atentamente. Tinha a matemática dela, fazia as contas delas com rodinhas, era uma Álgebra esquisita que só ela entendia e fazia as contas dos devedores tudo apontado e registado em livros de contabilidade. Lembro-me que uma vez foi presa em Nisa, recebeu ordem de detenção por contestar a a decisão de entregar as Costas à Casa Barreiras pelo tribunal. Ela dizia-me... Este Salazar só nos traz é miséria...
No Verão os emigrantes de regresso aos diversos lugares da Europa, nunca partiam sem ir à casa da Ti Xica. A casa no Verão era melões, melancias, loiças, mal se conseguia meter um pé. No sótão havia centenas de queijos, Serra e de Entorna alguns já se babavam de tão amanteigados. Lá iam para deleite das nossas gentes por esse mundo os queijos da Ti Xica da Graça.
Armindo Jorge comentou:

Essa senhora nos anos 60/70 ia ao Vale da Feiteira com um cesta á cabeça onde levava queijos e outras, coisas, como passas de figos, azeitonas, etc, etc,

Luís Guedelha comentou também:
"Ambos moraram nessa rua ,a casa da ti Xica está em ruinas .
O dr Freitas ouvi dizer muitos anos atrás nos bancos da praça pelos mais velhos ,que foi corrido da Comenda por um complô de pessoas da dita ,nunca soube ao certo o que realmente aconteceu, a minha mãe sempre falou muito bem dele os filhos andaram com o meu irmão e frequentavam tanto a nossa casa como o meu irmão a deles . Para o dr Freitas ter o nome nessa rua certamente foi porque o povo gostava dele ,ainda hoje tenho a curiosidade de saber realmente o que aconteceu."