No dia 10 de setembro de 1974, em pleno 'Verão Quente', o povo da Comenda desceu a S. Bento para reclamar os baldios que lhes foram retirados em 1 de janeiro de 1938 após uma carga de cavalaria da GNR "à espadeirada e até ao tiro", como referiu Manuel Tomé, 76 anos, na reportagem da RTP que podem ver aqui.
Os baldios das Costas durante muitos anos foram cultivados e cuidados pelo povo da Comenda, de 1 de janeiro ao final de setembro (no restante período ficavam ao cuidado das herdades), sem que para tal fosse necessário qualquer regulamento. Conforme contou António Ventura de Oliveira a Jorge Branco, no incontornável livro 'Comenda com Gente', os terrenos eram distribuídos em 'sortes', havendo umas más e outras boas, permanecendo alguns anos aos cuidados dos contemplados.
Maria Alice Rosalina contou a Jorge Branco que no dia em que a GNR carregou nas Costas (literalmente também) "todo o dia caiu neve". Disse também que o Victor Flores ficou com um braço partido e que o senhor António Mendes enlouqueceu a seguir porque ficou sem a sua vida agrícola. "As pessoas perderam tudo, até fornos de pão", afirmou.
Nuolinda Dias Soares também contou a Jorge Branco que a sua mãe estava grávida de si de oito meses e que foi uma das pessoas detidas. "Foi levada a pé para Nisa e depois do parto voltou a ser presa", contou.
António Cortez, por seu lado, contou que ia para as Costas com o seu avô, que ali tinha um rebanho, e que foi preso com ele, que tinha, tal como outros, também uma choça nas Costas, onde dormia, tal como João Chamiço.
Pedro Cabaço, Fernando Minguéns e Francisco Tomé integraram a Comissão coordenadora dos Interesses da Comenda que coordenou a grande manifestação em S. Bento, em 1975, cinco anos depois do Supremo Tribunal de Justiça ter decidido a questão a favor de quem se apropriou das terras, entre as quais as casas Rebela e a Bucknall.
Manuel Tomé Chamiço
Os baldios, como sabemos, continuam "capturados" por herdades que já tiveram melhores dias e o tempo não volta para trás. Mas a memória de um espírito comunitário transversal em território português permanece. Bem assim como a memória de uma luta coletiva que nem com abril de 74 conseguiu vencer. A verdade é que um ano depois desta manifestação o governo liderado por Vasco Gonçalves 'baldou-se' com estrondo, após o 25 de novembro.