As estradas, bem, será melhor dizer os caminhos que serviam a Comenda há um século

 


Já aqui trouxemos à colação uma das primeiras edições do 'Guia de Portugal', uma iniciativa da Gulbenkian que teve como primeiro autor/organizador o grande Raul Proença, processo depois liderado soberbamente por Sant´Anna Dionísio.

O volume relativo à Extremadura, Alentejo e Algarve, que passa também por parte da zona meridional da Beira Baixa e pelas Berlengas, foi editado em 1927 e é uma das minhas leituras de cabeceira agora que vim residir para a Comenda. Não porque este volume dedique muitas linhas à nossa aldeia/freguesia, aliás, não lhe dedica qualquer referência para além de a Comenda vir referenciada num dos mapas.

Esse mapa permite-nos perceber a rede viária que servia a Comenda na segunda década do século XX, comparando-a com a atual (imagem que se segue).


Facilmente podem entender como tudo está diferente.


Em 1927, a Comenda não era servida por qualquer estrada digna desse nome na organização do mapa. Note-se que as estradas referidas como tal encontram-se com um fundo em branco e margens sublinhadas. As que havia por aqui progrediam muito pouco, em três direções, desde Gavião, indiciando-se que o único percurso possível todo em estrada a partir da sede do concelho no sentido do litoral tinha de ser feito via Mação. Para o interior, a estrada apenas chegaria a Degracia e nada mais, a seguir seria o que é referido como 'caminhos' (traçado sublinhado a laranja).

O caminho desde Gavião para a Comenda acompanharia parte do traçado da atual Nacional 802 mas divergindo para sul e 'apontando' à Comenda (assim referida e não como Castelo Cernado) no enfiamento do Vale do Grou na direção de  Gáfete e não de Tolosa. 

Conforme nota Ricardo Branco, a Comenda em 1918 era sinónimo desse lugar ainda hoje venerado de Vale do Grou. Os primeiros registos destes territórios datam da época da Restauração da Independência, em 1640, mas o cartógrafo João Teixeira Albernaz I, o velho, (não confundir com o seu avô homónimo) apenas nos dá conta da existência de um povoado - o Sourinho, localizado na margem esquerda da ribeira de Sôr e que ao contrário do que se pensa a sua existência não resulta de nenhuma lenda, pese embora continuar a estar associada a muitas.

Este Sourinho poderá ser o sítio referido no Portal Endovelico a propósito de notícias de Mário Saa. local de provável povoamento na época romana um pouco a jusante da atual ponte sobre a ribeira de Sôr, no caminho Comenda-Monte da Pedra. Segundo o professor André Carneiro, da Universidade de Évora, nessa ponte passaria uma via romana.

Sítio referenciado no limite Gavião/Crato.

Esta poderia ser, segundo André Carneiro, a via XV, que passaria por Sôrinho e Porto do Manejo (o sítio referido no Endovelico), onde existia uma antiga ponte que dava acesso à Comenda e ao trânsito pela ribeira da Venda (Gavião), onde se situa uma outra ponte com prováveis origens romanas. Este traçado orientava-se a sul da atual vila de Gavião, procurando a estação de Alvega do Tejo, próxima de Abrantes.

Voltando à carta do Guia de Portugal, Gaféte e Tolosa nessa altura já teriam um pouco de estrada ali entroncando, na direção, sempre em estrada, de Castelo do Vide, via Alpalhão, e também na direção do Vale do Peso e Crato. A estrada entre Gáféte e o Monte da Pedra em 1927 ainda não tinha chegado a esta última aldeia do concelho do Crato que depois do Vale da Feiteira é a aldeia mais próxima da Comenda (5 quilómetros).

A Comenda e o Monte da Pedra encontravam-se já ligadas por um caminho que acompanharia basicamente o atual traçado da atual estrada municipal.

O outro caminho que saía da Comenda passava precisamente pelo Vale da Feiteira, seguindo na direção da Cunheira, um caminho hoje ainda bastante transitável e que foi muito usado quando a estação ferroviária da Cunheira estava em uso, como muito bem nos conta Jorge Branco nos seus livros.


Note-se que em 1927 a Aldeia da Mata, por exemplo, já estava ligada, via Crato, a Portalegre por estrada de macadame (o macadame betuminoso só começou a ser introduzido precisamente na segunda década do século XX) numa altura em que a circulação automóvel era praticamente residual (o primeiro automóvel em Portugal circulou apenas em 1895), com o grosso dos transportes a ser feito através de veículos de tração animal.