O Zé da Margalha que bem podia ser o Zé do Condado da Torre

 

José Joaquim Rato Lucas nasceu no dia 17 de outubro de 1952 na Chança, concelho de Alter do Chão, mas viria a fincar bem os pés na Comenda e no concelho de Gavião. Hoje, na nossa aldeia, é conhecido popularmente por 'Zé da Margalha'. Porque a sua família ali residiu e trabalhou. Curiosamente, o José acabaria por, na sua vida dedicada aos trabalhos agrícolas, por fazer grande parte do seu percurso na Herdade do Condado da Torre, em Ponte de Sor, propriedade da Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, onde trabalhou 30 anos.

Mas voltemos ao início desta história, que nos foi contada pelo próprio à mesa da esplanada do Café Avenida, no dia 23 de abril de 2025.

José é filho de José Joaquim Lucas e de Isabel Rato. O casal teve seis filhos, dois deles do sexo feminino.

O José pai de José era trabalhador agrícola e pastor. O filho seguiu a sua vocação. Com 15 anos, a família veio trabalhar para a Herdade da Margalha, uma das grandes propriedades da Casa Rebelo, dirigida por Valentina Pequito Rebelo Raposo.

Era um tempo de trabalho "de sol a sol" de que o Zé da Margalha não se queixa, fazendo sempre questão de elogiar os patrões. Nessa altura, a Margalha produzia azeite, vinho e cortiça e tinha também muito gado, este sobretudo nas Cujancas, propriedade que também era sua. Para além "de milheiradas e feijão preto". Nas Cujancas, para onde o pai de José foi destacado, havia ovelhas, vacas e suínos vermelhos e pretos. "As marrãs para reprodução iam para as Cujancas, para a engorda no montado", conta.

Na Margalha, o feitor era Joaquim Rufino, do Vale da Madeira.

"Ganhava 20 escudos por dia, era bom", diz o Zé da Margalha, que vivia com a família numa casa com cozinha, quatro quartos "e casa de banho com banheira".

Sobre os patrões, repete-se: "Era gente boa".

Surge entretanto o 25 de abril e também a Margalha não escapou às ocupações. Nem o Zé da Margalha à tropa [já aqui contamos como acompanhou Salgueiro Maia ao quartel do Carmo], que o apanha no tempo da revolução.

No regresso a casa, o Zé da Margalha ainda trabalha dois anos na IFAL mas a fábrica dos tacos já definhava "por falta de matéria prima", aí trabalhando nessa altura "cerca de 50 pessoas" sob a gerência de Francisco Cunha, que vivia na casa grande junto à fábrica.

É então que retoma a vida agrícola, na Casa Francisco Barreto, em Alter do Chão. "Uma casa muito séria", destaca. De aí seguiu finalmente para a Herdade do Condado da Torre, onde permaneceu 30 anos como vigilante e tratando da manutenção de uma propriedade com mais de 5 mil hectares.

"Os meus patrões eram gente muito boa, para mim e para todos os trabalhadores", refere, com sentida emoção quando fala de José Maria Mascarenhas, o Marquês de Fronteira, falecido em 2020.


No Condado da Torre chegou a idade da reforma. O patrão ainda insistiu para que continuasse mas José tinha a sua casa na Comenda à sua espera. Nunca mais voltou ao condado mas as memórias do tempo que lá viveu permanecem vivas embrulhadas em grande gratidão por quem o tratou bem.

Uma história simples feita de trabalho do Zé da Margalha que podia também ser o Zé do Condado da Torre.

Uma história que, curiosamente, não encaixa da narrativa, capturada por algumas forças políticas, da exploração do homem pelo homem nas grandes herdades alentejanas. Mas essas são outras histórias, muitas vezes contadas por quem não sujou as mãos com terra ou com gado.