O verão quente de 1975 ficou marcado por vários incidentes por todo o país. O caso das 'Vacas de Cujancas' foi um desses acontecimentos, ainda hoje na memória de muitos gavionenses, como é o caso do Zé da Margalha, assim precisamente chamado por ter trabalhado na Herdade da Margalha, epicentro do caso referido apesar de a Herdade de Cujancas se situar já no concelho do Crato.
Tudo aconteceu em setembro de 1979 e quem quiser ver imagens é só clicar aqui.
"O Adriano Isidro, de Gavião, e outros foram à feira do Crato, onde verificaram que estavam à venda novilhos e bezerros da Casa Rebelo a preços muito baratos (a 3 ou 4 contos quando o preço normal era de 9 contos), alegadamente por falta de pasto. Com os meus irmãos, que trabalhavam na Margalha, herdade da Casa Rebelo, fomos até lá e trouxemos as vacas para Gavião, onde estiveram pelo menos 24 horas no terreno vedado atrás do então seminário", conta Zé da Margalha.
As herdades estavam sob ocupação, no processo da reforma agrária, por gentes não apenas destes sítios mas também de Avis e Benavila. Dona Valentina Pequito Rebelo Raposo, dona da Margalha (não ocupada) e das Cujancas (ocupada), não tinha grande margem de manobra face à onda galopante da reforma agrária e decidiu oferecer as vacas ao povo de Gavião. Que as guardou no seminário e montou guarda nas entradas da vila para evitar que as "forças revolucionárias" as tomassem.
A situação foi séria e podia ter descambado.
Negociantes de vários sítios, de Belmonte a Coimbra, ajudaram a trazer o gado do Gavião para o Crato. O que deu origem a "uma ofensiva armada" contra o povo de Gavião, uma vila que esteve cercada.
O povo de Gavião armou-se de paus e cacetes "para defesa" e as forças armadas foram chamadas, o que evitou problemas mais sérios. "O gado é do Gavião e não dos trabalhadores da Margalha", dizia o povo sobre uma "vacada" oferecida por dona Valentina ao povo de Gavião e à Santa Casa da Misericórdia de Gavião, no dia 10 de setembro de 1975.
101 cabeças de gado e 39 porcos estiveram à guarda do povo de Gavião. "A senhora (Valentina) ofereceu-o ao povo de Gavião", clamavam os gavionenses. "O povo trabalhador é que é fascista?", dizia-se na vila quando a RTP ali chegou.
Em Portalegre, junto ao Governo Civil, aconteceu uma manifestação de trabalhadores agrícolas de Campo Maior, Benavila, Seda e Portalegre. Trabalhadores das cooperativas.
Eurico Silva Teixeira e Melo era o governador civil de Portalegre e mostrou-se favorável às reinvindicações das forças revolucionárias.
Tomada há dez meses pelos trabalhadores, a Herdade das Cujancas reclamava a "vacada". E as vacas lá foram de Gavião para o quartel de Caçadora 1 Portalegre e de aí para as Cujancas, depois de acordo entre as duas comissões oponentes (Cujancas e Gavião). O gado foi dividido igualmente, com parte do gado e a ir para as Cujancas e outra para a Margalha.
A divisão em partes iguais do gado provocou a revolta de quem estava junto ao Governo Civil. "É uma vitória para o fascimo", gritou-se. "As vacas são de Cujancas, as vacas são de Cujancas", ouviu-se também.
Talvez um dia regressemos a esta curiosa história de resistência ao movimento "a terra a quem a trabalha" ou, neste caso, "as vacas para quem as pastoreia".